domingo, 8 de março de 2009

Quase


Nasceu quando o mundo ainda caía em gotas, brincou quando ninguém percebia o arco-íris, cresceu quando já fazia sol. Não conheceu os espelhos, porém isso pouco importa diante de tanto encanto incógnito. Decorou sua alma com modesta anistia, sem precisar de alguém que o fizesse relevar. Inventou amigos quase tão impossíveis quanto imperecíveis. Não conheço sua doutrina. E qual seria essa que aos onze anos já havia feito o mundo desmerecer seu sorriso? Riso baixo, quase oco, rouco, louco, mas não pouco, muito. Grande como não se pode ser. Um dono de tudo sem se importar com nada. Passeava de mãos dadas com a perfeição que ganhara de uma estrela, única e verdadeira luz. E o “perfeito” restante coube às pessoas que aprenderam a olhar além de seus próprios umbigos. A culminância assisada, exata, ingênua, inacabada, foi-lhe dada ao surgir. Mas o mundo começou a es-correr. E ao sair de casa deu de cara consigo. Sem julgar nem jogar, ignorou a singela graça que enfeitava tamanha fonte abundante de mapas da felicidade. Num dia de raios e trovões limitou-se a ritmar a calmaria da sua dignidade. Nos dias de vento o mundo saía do eixo, no entanto ele permaneceu com placidez infinita buscando equilibrar-se. Nunca tombaria se, todavia, não tivesse olhado pela janela e visto algo que não era de seu engenho: um botão. Não apenas um botão, mas sim um broto branco envolto de verdes inacreditavelmente compassivos. O branco, cor mais completa e quase invisível se comparado à maravilhosa formosura de quem o observava, o fez cair. Enquanto caía, o botão abria e ele só ria, só ele ria, só ele via, caindo leve como a pena da asa de um anjo, como alma, como chuva fina. Caiu, enfim, sem indignação, sem ai nem ão. Arriscou-se levantar, sujeitou-se olhar. Deu àquela tão gentil conseqüência de um botão, o nome de rosa, pintou-a com de azul com um pincel feito de alma, pétala por pétala (esse foi o nome que deu às suas folhas perfumadas e suaves), passou a regá-la, a fez crescer feliz, completa, serena. Depois da obra tão cautelosa concluiu que tê-la do lado de fora não bastava. Queria mais que vê-la pela janela. Queria que ela perfumasse seu espaço, que enfeitasse seu ambiente, que colorisse o seu lado. Ele não quis plantar outras rosas, queria apenas aquela que o tomara subitamente para si. Estava distante demais, não agüentava tanta saudade, a janela era longe do quintal. Decidiu, no entanto, esperar que ela se firmasse melhor. Enquanto esperava cantava para ela, tocava nela, levava presentes para ela. Um dia lhe deu a mão, no outro lhe deu carinho e amigos. Certo dia lhe deu o sorriso como melhor presente. Era primavera, ele a levou. Foram os três dias mais felizes da breve passagem pela terra de ambos. Porém ela ainda necessitava indispensavelmente estar lá fora, pelo menos na primavera. Restaurando a saudade que parecia infinita a cada manhã. O mundo terminara de escorrer por completo, mas ele, a espera de sua rosa, não pôde ir. Então conheceu o imperfeito, o incompleto, o medo, coisas que não participavam de sua indomável, inigualável e eterna beleza. Determinou então que fugiria desse mundo feio e incapaz de amar, e iria para “um mundo” onde continuaria sendo o mesmo, com os mesmos amigos, fazendo as mesmas coisas, pois o que é perfeito não precisa mudar, basta existir. Passaram-se tempos, mas ele ainda esperaria, mesmo que ela não fosse, ele estaria esperando, porque esperar faz parte de um dos dons da maior pessoa que eu já conheci, da melhor pessoa que parece existir, da pessoa que eu duvidava ter nascido, que eu hesitava encontrar, mais do que amigo. Brilha mais do que o sol. E a eternidade, se comparada a ele, ainda está no diminutivo.

Um comentário:

  1. Quase não, inteiramente poetisa.
    Vamos dar um jeito de lançar os teus textos.
    São muito bons, inspirados, além de bem escritos.
    Transformam um evento em algo digno e complexo como um multiverso.

    Escreve como quem pinta aquarela.

    Flor, poetisa.

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